Publicado entre os anos de 1868 e 1869, o romance de Louise May Alcott já fora adaptado inúmeras vezes. Seja para o cinema, televisão ou teatro, cada versão de “Mulherzinhas” reflete não apenas o material original, mas o período histórico de sua adaptação – ou seja, o filme de 1933 se relaciona intimamente com a grande depressão americana, já o de 1949 tem a ver com o otimismo do pós-guerra, enquanto o de 1994 busca resumir os ideais dos movimentos feministas. A história das irmãs March é como um espelho da sociedade em momentos variados, registrando a evolução das conquistas e dos anseios femininos ao longo dos séculos.
Em “Adoráveis Mulheres”, adaptação mais recente do clássico, a diretora Greta Gerwig fragmenta a narrativa do romance e reorganiza a trama como um fluxo de consciência, indo e voltando no tempo para desenvolver as personagens de forma mais palpável. Saoirse Ronan interpreta Jo March, a irmã rebelde que mais sofre com as limitações de seu papel como uma garota americana do século XIX. Sem frescuras, ela abomina o casamento e tenta ganhar o próprio sustento como professora e escritora. Já Meg March (Emma Watson) é convencional e sonha com uma vida doméstica. Amy March (Florence Pugh) é a mais prática da família e vê o matrimônio como um acordo comercial. E Beth March (Elizabeth Scanlen)… Bom, com Beth é outra história.
Graças à estrutura inovadora da versão de Gerwig, podemos compreender melhor as motivações das irmãs e os rumos que elas tomam. Para um público atual, as escolhas de Meg podem causar estranhamento por conta do sentimentalismo antiquado (no cinema, um rapaz riu quando ela declara o amor pelo marido), mas a diretora se esforça para validar as escolhas da personagem, ainda que Watson não esteja no mesmo nível das outras atrizes. Em um elenco que inclui Laura Dern, Meryl Streep, Timothée Chalamet e Louis Garrel, são Ronan e Pugh quem mais chamam a atenção. Reorganizando os acontecimentos, Gerwig também abre espaço para a metalinguagem, que é o verdadeiro chamariz de “Adoráveis Mulheres”.
“Mulherzinhas” é um romance semi-biográfico de Alcott e suas irmãs. Na vida real, o dinheiro que ela ganhou com o livro foi mais do que suficiente para sustentar toda a sua família e, diferente de sua protagonista, ela nunca se casou. Tendo a biografia da autora em mente, Gerwig trata o interesse romântico de Jo como uma piada, uma concessão ridícula às pressões do editor da obra e à sensibilidade artística da época. Sendo fiel ao espírito de Alcott, e não ao romance em si, Gerwig consegue, enfim, transpor “Mulherzinhas” ao século XXI.