Em 2008, Marie Adler disse à polícia que foi estuprada por um homem que invadiu o seu apartamento enquanto ela dormia. Muito nervosa, os detalhes do ocorrido mudam sempre que ela precisa repetir a história aos policiais e aos amigos. Em um momento, ela foi amarrada com os próprios cadarços, conseguiu se soltar e usou o telefone. Em outro, discou com as mãos ainda presas, utilizando os dedos do pé. Pressionada pelos detetives da investigação, ela acaba admitindo que foi tudo uma mentira – ou, talvez, um sonho muito vívido, algum tipo de hipnose.
Marie é, então, indiciada por crime de falso testemunho. A imprensa acaba descobrindo o caso e divulga a sua identidade. Ela perde a confiança dos amigos, de sua família e muito, muito mais. Anos depois, duas policiais passam a investigar uma série de estupros com características muito semelhantes ao primeiro depoimento de Marie. Baseado em um artigo vencedor do prêmio Pulitzer, esta é a premissa de “Unbelievable” (ou “Inacreditável”), nova minissérie da Netflix.
Criada por Susannah Grant, roteirista indicada ao Oscar por “Erin Brockovich”, e pelo casal Michael Chabon e Ayelet Waldman, a série conta com a direção de Michael Diner (de “Anos Incríveis”), Lisa Cholodenko (“Minhas Mães e Meu Pai”) e da própria Susannah Grant. Kaitlyn Dever, da comédia “Fora de Série”, mostra toda a sua versatilidade como Marie. Já as policiais que investigam os estupros são vividas por Merritt Wever (“The Walking Dead”) e a sempre brilhante Toni Collette (“Hereditário”).
Com apenas 8 capítulos, a captura do estuprador não é tão importante quanto o tratamento dado às vítimas. Logo no início, vemos o contraste entre as abordagens dos investigadores masculinos e da polícia feminina. Os homens são mais céticos e diretos, enquanto as mulheres explicam cuidadosamente cada etapa da investigação e são mais compreensivas, sempre levando em conta o bem estar físico e emocional das vítimas. As detetives também veem o estupro como um crime muito mais sério do que os seus colegas homens.
“Unbelievable” retrata o trauma que as sobreviventes enfrentam das formais mais variadas possíveis, com consequências diretas no convívio social, em suas carreiras profissionais e no âmbito da saúde mental. Na série, o estuprador não faz distinção entre brancas e negras, gordas e magras, pobres e ricas, adolescentes e idosas. Basta ser mulher para correr risco. O combate ao crime é diluído pela burocracia do sistema e por um machismo instituído, em que muitos dos policiais respondem por violência doméstica e, mesmo assim, não perdem os seus distintivos.
Há, contudo, bons exemplos de masculinidade na minissérie. Os maridos das detetives Karen Duvall (Wever) e Grace Rasmussen (Collette) fornecem todo o apoio possível, muitas vezes assumindo as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos, para que elas possam trabalhar e prender o estuprador – o que não será tão simples quanto um episódio de “CSI” ou “Law & Order”. Em “Unbelievable”, os homens não são os inimigos, mas têm muito a ganhar quando escutam e acreditam nas mulheres.