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Baseada em fatos reais, estreia de Anna Kendrick como diretora aborda o pacto da masculinidade.
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Em 1978, um serial killer participou de um programa de namoro na tevê. Sem um pingo de apreensão, fez comentários sugestivos e acabou escolhido pela mocinha. Este fato real é o ponto de partida de “A Garota da Vez”, estreia de Anna Kendrick na direção – que também interpreta Cheryl, a participante em perigo.

Na vida real, Rodney Alcala foi condenado por sete assassinatos, mas há suspeitas de que ele tenha matado mais de cem (com predileção, é claro, por jovens mulheres). Kendrick, no entanto, não se interessa pelo sensacionalismo do true crime, mas no sistema que possibilitou com que o psicopata se sentisse à vontade para mostrar o rosto em rede nacional.

Sob uma perspectiva feminina, o filme parece todo guiado por uma famosa citação da autora Margaret Atwood: “Homens têm medo que as mulheres riam deles. Mulheres têm medo que os homens as matem.” E, assim, as personagens caminham numa infinita corda bamba – qualquer movimento em falso, uma palavra ou um gesto desagradável, pode resultar em morte.

Em “A Garota da Vez”, contudo, o assassino não é o único vilão. Há produtores que objetificam atrizes e até policiais que menosprezam denúncias importantes. Na verdade, todas as mulheres que Rodney conhece já haviam sido vitimizadas por algum homem (por um cara que desapareceu assim que a namorada ficou grávida, ou por um pai ausente).

Em mundo dominado pelos homens, e com a ameaça constante de violência física, ser mulher é um inferno. Enquanto eles circulam por aí despreocupados, falando tudo o que dá na telha sem qualquer tipo de filtro ou represália, nós vivemos em estado de hipervigilância, medindo as próprias palavras para prevenir ou remediar qualquer tipo de insatisfação.

Por uma questão de sobrevivência, fazemos dúzias de pequenas concessões todos os dias, nos tornamos menores e mais silenciosas. E mesmo com todo esse esforço, até os homens em que mais confiamos podem optar por defender um desconhecido, em vez de acreditar no que temos a dizer. Pois este é o pacto da masculinidade, “bros before hoes”.

É por isto que, apesar da edição confusa, que vai e volta no tempo para retratar algumas das vítimas de Alcala, que considero “A Garota da Vez” uma boa estreia. Ainda que apareçam brevemente, as personagens parecem ter vida interior e a direção nem sempre opta pelo caminho mais convencional. Não parece uma produção feita para o streaming.

Num gênero em que a mulher nem sempre tem voz, Kendrick oferece um ponto de vista importante. No true crime, é comum nos lembrarmos dos serial killers, de Jack Estripador, Zodíaco e Ted Bundy, mas é raro retratarmos as mulheres como algo além de um corpo sem vida, só mais um quebra-cabeças para os detetives profissionais e amadores.

É sabido que as mulheres são as que mais consomem true crime – numa tentativa de lidar com os próprios traumas ou como um mecanismo de enfrentamento, uma forma de lidar com a violência de gênero em plena segurança. E precisamos de mais filmes e séries feitos por mulheres, para mulheres, sobre mulheres.

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