Em uma entrevista recente ao The Verge, Mark Zuckerberg disse que há questões complexas de direitos autorais envolvendo a raspagem de dados para treinar a IA da Meta, dona do Facebook e do Instagram. No entanto, disse também que as obras individuais da maioria dos criadores não são tão valiosas assim para que isto importe. Ou seja, se você não é um artista famoso que possa processá-lo, azar o seu.
Depois que Elon Musk abriu as comportas de um oceano de chorume, outros bilionários ficaram assanhados e começaram a falar o que realmente pensam. Aquela figura do magnata que se diz um patrono das artes já é uma memória distante. Eles queimariam o Museu do Louvre se isto significasse lucro. Ou destruiriam tudo numa prensa, como a Apple bem demonstrou.
Há anos, fomos condicionados a enxergar qualquer criação como “conteúdo”. Uma dancinha no TikTok, um reality show na Netflix, um filme do Martin Scorsese – tudo é “conteúdo”. O que esta palavrinha faz é coisificar toda forma de expressão humana, da mais simplória à mais sublime.
E o propósito dessa desvalorização é fazer com que nós encaremos toda obra de arte como mais uma insignificante pedrinha de carvão na grande fornalha do algoritmo. Na plataforma da Max, “Quilos Mortais” tem a mesma importância de “Sopranos”.
Os viúvos do Twitter, jovens que nunca conheceram uma internet sem a “curadoria” dos bilionários, não sabem o que fazer no Bluesky. Se sentem perdidos sem os “assuntos do momento” e têm preguiça de utilizar as ferramentas da rede social para encontrar os grupos do próprio interesse.
Mesmo com os nazistas e as propagandas de Jogo do Tigrinho, o algoritmo do Twitter parecia mais cômodo. Para eles, era mais fácil se deixarem entorpecer pelo conteúdo tóxico, que incitava a raiva e o desespero a cada rolar de tela, do que ter a liberdade de escolher. Afinal, escolha requer discernimento – uma faculdade que vem sendo sistematicamente tirada de nós.
Numa sociedade em que tudo é servido de bandeja, pronto para o consumo – seja pelo algoritmo, pelos influencers, “coachs” ou, Deus me livre, pastores evangélicos – o jornalismo cultural é uma espécie de licor digestivo.
Ontem, fiquei sabendo de uma cantora que publicou um texto magoadíssismo no Instagram depois de receber uma crítica negativa ao seu trabalho (não ao seu caráter, mas ao seu trabalho). Entre os vários argumentos tortos que ela apresenta, um deles é “não gostou, não ouça”, ignorando que o crítico não está ali para gostar ou desgostar.
Sim, o crítico é também um consumidor, mas o seu ofício é diferente de uma avaliação raivosa no Reclame Aqui. O crítico é (ou deveria ser) alguém equipado para discernir e descrever as próprias sensações, mas sempre embasando a sua análise em informação e repertório. Sua função é oferecer um outro olhar – o que pode ser valioso, tanto para o público como para o artista.
A chegada da Internet diminuiu dramaticamente a autoridade do jornalismo tradicional. Por um lado, ela deu voz a pessoas que jamais passariam da porta de uma redação (em especial, mulheres, negros e pessoas LGBTQ+). Por outro, criou esta confusão em que o crítico profissional é igualado a um hater de um fórum qualquer. Tudo o que não é uma efusiva carta de amor, só pode ser um ataque.
Quando nos fechamos ao contraditório (e não estou falando de aceitar nazistas e transfóbicos nas redes sociais, mas de pontos de vista aceitáveis num debate entre pessoas que não desejam o extermínio das outras), seja por indolência, por falta de curiosidade ou por medo de ter as próprias opiniões contestadas, são os Zuckerbergs do mundo que saem ganhando.