Se você assistia ao canal Sony por volta dos anos 2000, deve ter visto um episódio ou outro de “The King of Queens” ou “Everybody Loves Raymond”. As duas séries tratam do cotidiano em família sob o ponto de vista do marido, um simpático trapalhão que precisa contornar as exigências de uma esposa muito mais atraente, mas também muito mais chata e sem graça. Vinte anos atrás, este tipo de formato de sitcom era padrão e não causava estranheza alguma, mas a nova “Kevin Can F Himself” quer mudar o paradigma.
O nome “Kevin Can F Himself”, ou “Kevin Pode Se F…”, é uma brincadeira com a série “Kevin Can Wait”, do ator Kevin James, mesmo protagonista de “The King of Queens”. Criada por Valerie Armstrong, “Kevin Can F Himself” começa de forma bastante familiar. Luzes quentes iluminam um cenário já visto inúmeras vezes: um sofá virado para a câmera bem no meio da sala, uma escada nos fundos, cozinha à esquerda. Interpretado por Eric Petersen, Kevin é um macho típico, que se importa mais com esportes do que com a esposa Allison.
Quando Allison fica sozinha, no entanto, tudo muda. A fotografia é mais sombria, os ângulos são mais sofisticados. Vivida por Annie Murphy, vencedora do Emmy pelo seu trabalho na adorável “Schitt’s Creek”, Allison vive uma realidade diferente do marido. Se a vida de Kevin é uma comédia, onde cada frase de efeito é acompanhada por uma risada enlatada, a dela é um drama lúgubre, em que as gracinhas do marido revelam um comportamento abusivo e machista. Ao se dar conta dos anos perdidos ao lado de Kevin, ela começa a se rebelar.
Ainda que a dicotomia dos gêneros televisivos seja o chamariz de “Kevin Can F Himself” – na iminência de reproduzir as principais características da sitcom à exaustão – o ponto alto da série é, na verdade, o relacionamento improvável de Allison com a vizinha Patty (Mary Hollis Inboden). Para se livrar de Kevin, Allison se enrosca com o mundo do crime e Patty pode ajudá-la nesse departamento. É também um prazer assistir a personagem de Hollis Inboden, uma mulher endurecida pelo cinismo que, pouco a pouco, vai deixando sua vulnerabilidade transparecer.
Do lado do drama, há certas semelhanças com “Good Girls” e “Dead To Me”, séries em que donas de casa frustradas acabam cometendo uma variedade de atos ilícitos. A insatisfação da mulher com a vida doméstica não é exatamente uma novidade na televisão (tivemos, afinal, uma série chamada “Donas de Casa Desesperadas”), mas “Kevin Can F Himself” chama a atenção pelo contraste de perspectivas e por boas atuações de todo o elenco. Graças a estes pontos positivos, a série já foi renovada e ganhará uma segunda temporada.