Jesse Einseberg é um dos nossos. Por “um dos nossos”, quero dizer que ele já deve ter tomado uns dois ou três ansiolíticos diferentes na vida, talvez mais. E por “nossos”, me refiro aos neuróticos em geral. Não há ninguém aqui comigo – nós neuróticos não gostamos de reuniões presenciais, por motivos óbvios.
Sei que, no passado, o ator (e diretor) deu entrevista falando sobre as suas dificuldades com a própria saúde mental, mas seria fácil reconhecê-lo como um semelhante mesmo se eu só tivesse visto “A Verdadeira Dor” sem contexto. Os sentimentos trabalhados são muito específicos para alguém de cérebro lisinho.
Mais conhecido por interpretar Mark Zuckerberg em “A Rede Social”, Einsenberg é roteirista, diretor e ator neste filme sobre dois primos que viajam até a Polônia para honrar a memória da avó, uma sobrevivente do Holocausto. David (Eisenberg) é o primo retraído, que precisa lidar com a personalidade mais extravagante de Benji (Kieran Culkin).
Muito elogiado pela crítica, “A Verdadeira Dor” recebeu duas indicações ao Oscar de 2025, uma pelo roteiro original de Eisenberg e outra pelo trabalho de Culkin como coadjuvante – ator que parece ser mesmo o favorito ao prêmio. É difícil explicar um personagem como Benji para quem nunca conheceu alguém como ele. Ou para quem só viu o lado positivo de alguém como ele.
Talvez, você tenha conhecido, mesmo que por um dia, alguém muito carismático e extrovertido, que parece encantar todo mundo com a sua espontaneidade. E, talvez, você tenha percebido que essa mesma pessoa era acompanhada por alguém com uma expressão constante de desconforto. Se você nem desconfia o motivo desse desconforto, bom, sorte a sua.
Logo no início, vemos David ligando para Benji, de cinco em cinco minutos, para garantir que o primo estará no aeroporto. Enquanto Benji nem se dá ao trabalho de checar o celular, David desempenha o papel de chato. Muito provavelmente porque, no passado, Benji aprontou alguma e não dá para confiar que ele vai estar no lugar e na hora marcada.
Para todo irresponsável cheio de charme, há um pobre infeliz no fundo se certificando de que tudo irá correr bem – aquele que é chato não por escolha, mas porque foi obrigado a ser. Quem não sabe deste “acordo” fica com a impressão de que o irresponsável está sendo injustiçado quando é repreendido pelo chato e, assim, as aparências se mantém.
A dinâmica está toda ali. A volatilidade, o esforço de Benji em parecer atencioso com desconhecidos para, no momento seguinte, ser grosseiro ao extremo. É tudo muito performático. E como personalidades assim ocupam quase todo o espaço, David vai se encolhendo num canto, engolindo as próprias emoções e acumulando ressentimento.
Mas como comparar estes pequenos desconfortos com o sofrimento máximo de alguém que tenha passado por um campo de concentração? Temos direito à melancolia, diante do que tantos outros passaram? “A Verdadeira Dor” também trata disto, de sentimentos que nos causam culpa por parecerem irrelevantes, mas que continuam ali, sob a superfície.
Benji age como age também por uma angústia indizível que, apesar da sua habilidade de se relacionar com os outros, nunca poderá ser verdadeiramente abordada. E, assim, ele termina o filme da mesma maneira que começou. Os personagens de “A Verdadeira Dor” não resolvem as suas vidas com uma viagem de autodescoberta, como é comum em Hollywood.
Porque não importa onde a gente vá, ou quantos desconhecidos impressionamos pelo caminho, sempre estaremos lá.