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Emma Stone interpreta punk de boutique.
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Quando a Disney anunciou que faria um filme contando a história de Cruella de Vil, a vilã de “101 Dálmatas”, houve uma comoção na internet. Para muitos, era um absurdo fazer um filme sobre uma mulher que queria matar cachorrinhos. Entre as gerações mais novas, parece haver uma confusão entre a realidade e a ficção. Desconfio que, para quem nunca viveu sem internet, todo tipo de “conteúdo” é encarado como uma postagem de rede social: aquilo que não inspira uma boa conduta deve ser silenciado e banido.

A releitura dos clássicos da Disney não é um fenômeno completamente abominável. “Malévola”, por exemplo, busca uma mudança de perspectiva, em que o amor da feiticeira pela afilhada Aurora é o verdadeiro herói de “A Bela Adormecida”, e não o beijo de um príncipe aleatório. A repaginada mais feminista, que segue a tendência lançada por “Frozen”, se tornou uma fórmula lucrativa de sucesso. No caso de Cruella, no entanto, não há muito o que ressignificar. Ela sempre foi, de forma torta, um ícone feminista.

No livro original da autora inglesa Dodie Smith, Cruella é casada e obriga o marido submisso a adotar o seu sobrenome. Na versão live-action de 1996, estrelada por Glenn Close, Cruella é solteira, abomina o matrimônio e a maternidade: “Perdemos mais mulheres boas para o casamento do que para a guerra, a fome ou a doença,” ela diz. Com o filme mais recente, a Disney optou por retratar mais uma história de rivalidade feminina, além de cooptar símbolos da contracultura para criar um movimento punk de boutique.

Dirigido por Craig Gillespie, diretor de “Eu, Tonya”, “Cruella” começa com a rebelde Estella, uma menina que já nasce com os cabelos metade pretos e metade brancos. A característica, que antes parecia uma escolha estética, agora assume um tom fatalista. A menina não consegue escapar da própria natureza. Após uma série de desaventuras (uma delas foi amplamente ridicularizada no Twitter), Estella vira órfã e vai parar em Londres, onde conhece os trombadinhas Jasper e Horace, com quem passa a juventude realizando pequenos golpes.

Interpretada na fase adulta por Emma Stone, Estella tem um dom natural para a moda e acaba trabalhando para a Baronesa (Emma Thompson), uma estilista soberba e cruel que logo se torna a sua principal rival. Com mais de duas horas de duração, “Cruella” toma proporções de tragédia grega. Por não poder ser má de verdade, ela fica sem agência, apenas reagindo ao que lhe é dado. Também não há nada de transgressor em sua afetação punk. Ela não quer derrubar o sistema, mas se tornar o sistema.

A narração é muitas vezes redundante, o desfile de músicas da década de 70 beira ao invasivo e a fotografia escura e acizentada tenta dar um aspecto realista a um filme que deveria ser vibrante. É uma pena que um figurino tão divertido, com peças que remetem a Vivienne Westwood e Alexander McQueen, tenha sido desperdiçado em uma obra tão vazia. A moda, afinal, não trata de aparências, mas da expressão de uma postura, de uma filosofia de vida. Se “Cruella” representa o futuro, a revolução será mansinha.

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