Uma das maiores apostas da Disney+, “The Mandalorian” se passa entre os episódios VI e o VII da saga “Star Wars” – isto é, entre “O Retorno do Jedi” (1983) e “O Despertar da Força” (2015) – mas não é preciso conhecer a franquia a fundo. Embora várias referências sejam feitas, não é necessário ver todos os filmes, devorar todos os livros ou todas as páginas do Reddit. Criada por Jon Favreau (diretor de “O Homem de Ferro”), a série tem fortes influências de faroeste e de filmes de samurai, o que torna a produção bastante acessível ao espectador.
George Lucas nunca escondeu a influência de Akira Kurosawa em sua trilogia original, mas “The Mandalorian” utiliza essa mesma iconografia clássica de uma forma muito simples e eficaz. No início da série, o mandaloriano, ou “Mando”, é um caçador de recompensas bastante sisudo, que nunca remove o capacete e que não se deixa levar por suas missões. Ele apenas cumpre o combinado, sem fazer perguntas. Tudo muda, é claro, quando ele descobre que o seu alvo é um bebê – para protegê-lo, Mando desafia uma série de convenções e acumula inimigos.
Interpretado por Pedro Pascal, Mando é como o personagem de Clint Eastwood na trilogia dos dólares de Sergio Leone – uma cópia tão descarada do samurai vivido por Toshiro Mifune, em “Yojimbo” e “ Sanjuro”, que até a produtora Toho tentou processar Leone. Só que Kurosawa, por sua vez, se inspirou muito nos bangue-bangues de John Ford, característica que torna seus filmes tão assimiláveis no ocidente. Tanto “Yojimbo” (1961) como “Por um Punhado de Dólares” (1964) tratam de personagens complexos, que não são mocinhos ou bandidos.
Em “The Mandalorian”, uma das referência de John Ford que mais chama a atenção é o filme “Três Padrinhos” (produção de 1936 que o próprio diretor refilmaria em 1948, com John Wayne no elenco), em que três pistoleiros fora-da-lei cuidam de um bebê órfão. Há também influência clara da saga “Lobo Solitário”, mangá de Kazuo Koike que rendeu seis filmes e uma série de televisão, sobre um assassino de aluguel que percorre o Japão feudal junto do filho pequeno. A ideia por trás de todas essas obras é a oposição entre a violência e o instinto paternal.
Considerando que uma parte expressiva do fandom de “Star Wars” é afeita ao discurso de ódio, com um longo histórico de ataques às minorias representadas em seus filmes, a fofura do chamado “bebê Yoda” (sim, eu sei que ele não é o Yoda, mas é da mesma espécie que o Yoda, pode chamá-lo assim mesmo) é, ao mesmo tempo, uma diabólica estratégia de marketing da Disney e uma possível influência positiva em seu público. Se até o Mando não resistiu, quem sabe o fã mais ferrenho da saga não se amolece um pouco?
Para saber mais sobre as referências de “The Mandalorian”, escute o podcast Cinieda.