Disponível na HBO Go, “Allen Contra Farrow” se concentra mais nas acusações da família Farrow do que na defesa de Woody Allen, mas a série documental da dupla Amy Ziering e Kirby Dick não é enviesada. A versão do cineasta novaiorquino, que não quis participar da produção, é bastante conhecida. Desde 1992, Allen deu inúmeras entrevistas bombásticas em que apontava a ex-companheira, com quem namorou por 12 anos, de ser uma maluca rancorosa. Em meio ao escândalo, a voz da verdadeira vítima desapareceu.
Aos 7 anos de idade, Dylan Farrow acusou o pai adotivo de assédio sexual. Sua mãe, a atriz Mia Farrow, gravou o relato da filha. Ao contrário do que Allen disse em suas coletivas de imprensa, o relato se manteve o mesmo durante todos esses anos – mas Dylan só começou a ser levada a sério em meados de 2017, após a mudança de percepção promovida pelo movimento #MeToo. Dividido em quatro partes, o documentário conta com vídeos caseiros da família e depoimentos de peritos e testemunhas para construir um caso contundente.
É preciso fazer um esforço gigantesco para assistir todos os episódios da série e, ainda assim, duvidar de Dylan. Além de estabelecer a seu ponto de vista, o documentário também aborda o impacto das acusações na obra do cineasta. No caso de Woody Allen, é praticamente impossível separar a obra do autor, pois muitos de seus filmes normalizam relacionamentos com uma enorme diferença de idade. Aos 16 anos, Christina Engelhardt namorou com Allen, então com 42, e se tornou a principal inspiração de “Manhattan”.
No filme de 1979, o próprio Allen interpreta um homem que namora uma adolescente de 17 anos, vivida por Mariel Hemingway. Em sua auto-biografia, Hemingway disse que Allen havia prometido levá-la para Paris quando a atriz completasse 18 anos – uma promessa que ele também teria feito à Dylan para justificar o assédio. São estas pequenas “coincidências” entre a vida e a arte que tornaram os filmes de Allen tão difíceis de digerir. “Allen Contra Farrow” lembra “Deixando Neverland”, no sentido em que retrata o estrelato como um sistema que protege o abuso.