A série “I May Destroy You” é desconfortável. Os “heróis” são falhos, os “vilões” se redimem, não há certo ou errado, mas várias camadas de cinza. Sua criadora e protagonista, a britânica Michaela Coel, trata de temas difíceis – como consentimento sexual, homofobia, raça e gênero – de uma forma autêntica e humana, sem julgamentos definitivos.
Exibida nos canais HBO e disponível via streaming na HBO Go, “I May Destroy You” conta a história de Arabella, uma jovem escritora que é dopada em um bar de Londres e precisa refazer a vida após recobrar a memória do estupro. Seus melhores amigos, Terry (Weruche Opia) e Kwame (Paapa Essiedu), tentam ajudá-la enquanto lidam com seus próprios problemas.
“Antes do estupro, nunca reparei muito no fato de que sou uma mulher. Estava ocupada sendo negra e pobre,” diz Arabella em um dos episódios. Buscando pela própria identidade, ela tenta navegar por tribos diferentes e se recorda da vez em que atacou uma colega branca de escola para defender um abusador negro (o relato da menina é exagerado, mas há uma transgressão óbvia).
“Na escola, seus maiores antagonistas eram professores racistas, então era natural juntar força com os negros,” explicou Coel em entrevista. Após o estupro, Arabella tenta encaixar o seu pensamento com o das influencers feministas. “A série trata da sua necessidade de pertencer, ela tem dificuldade de compreender que ela pode ser um indivíduo, sem a mentalidade de turba”.
“I May Destroy You” causa desconforto porque, a todo momento, seus personagens revelam alguma forma de hipocrisia – e nós, como espectadores, reconhecemos esses defeitos. “Todo mundo tem de lidar com alguma coisa. Todo mundo tem segredos e falhas[…]Prestei atenção nas minhas próprias vulnerabilidades e na minha resistência em me observar para permitir com que a mensagem fosse transmitida ao público”.
Com um final metalinguístico, Coel examina as consequências de suas ações e o impacto que ela mesma causa ao seu redor. “I May Destroy You” (“eu posso te destruir”, em tradução livre do inglês para o português) trata da destruição do ego (o bar em que ela é estuprada se chama, literalmente, “A Morte do Ego”), tudo na tentativa de recuperar a responsabilidade de seus próprios atos.