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Terror da A24 representa o que as mulheres enfrentam nas redes sociais, com desconhecidos que surgem do nada e exigem atenção.
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Esta é uma crítica de “Herege”, mas eu já chego lá.

Depois que Donald Trump foi eleito, com o apoio escancarado do bilionário Elon Musk, muitos americanos decidiram, enfim, abandonar o Twitter. A alternativa mais promissora tem sido o Bluesky, que já se aproxima dos 23 milhões de usuários (chegando a receber 1 milhão de inscritos em um único dia).

De repente, a CEO Jay Graber e a COO Rose Wang começaram a pipocar em vários telejornais para explicar o que deveria ser óbvio para todos: uma rede social deve ser um ambiente seguro e divertido. Lá nos primórdios da internet, a ideia era esta – aproximar pessoas com interesses em comum, mesmo que morassem em cantos opostos do planeta.

O Facebook, no entanto, que nasceu de uma guerra cultural – um jovem ressentido criou um site misógino para avaliar a beleza de suas colegas de universidade –, deu forma ao Vale do Silício. E, assim, nasceu a ideia de que a internet é onde vamos para passar raiva.

Antes de Musk, foi Mark Zuckerberg quem exerceu uma influência criminosa (lembra da Cambridge Analytica?) para alterar os resultados de uma eleição. E como não foi punido de maneira exemplar, um monstro ainda maior foi criado. As redes sociais, então, se tornaram um campo de batalha entre direita e esquerda – onde tudo, por mais idiota que fosse, era motivo de gritaria.

Digo “era” porque estou no Bluesky há mais de um ano. Há tretas por lá, é claro, mas nada remotamente parecido com o que acontecia no Twitter, onde a má fé contaminava até as almas mais bondosas. Além da moderação da plataforma, há várias ferramentas para cortar qualquer tipo de comportamento abusivo pela raiz.

Assim, esta aparente falta de conflito inspirou meia dúzia de artigos reclamando da “bolha ideológica” ou da “câmara de eco” do Bluesky – na realidade, o que incomoda mesmo é o usuário ter controle do conteúdo que ele consome ou deixa de consumir.

São sempre jornalistas de centro que alegam que a direita precisa ser aceita no Bluesky para termos todos um debate civilizado, como se fosse cabível discutir o próprio direito à vida com alguém que só quer o seu extermínio.

Claro, o engajamento é maior quando somos motivados pela fúria, as matérias podem caçar mais cliques e os jornalões ficam mais saidinhos. Para eles, é interessante que um passeio por uma rede social seja como uma visita a um hospício tomado pelos loucos. Acontece que não somos obrigados a debater com ninguém, menos ainda no pouco tempo livre que nos resta.

Infelizmente, muitas pessoas acreditam num direito inalienável à atenção. Todo espaço seria um fórum público onde todos merecem ser ouvidos (alguns mais do que os outros, é claro). Se você entra em um restaurante e começa um discurso aos berros, os comensais devem ter a liberdade de não ouvir o que você tem a dizer. Do contrário, configuraria cárcere privado.

E falando em cárcere privado…

“Herege” conta a história de duas jovens missionárias que batem à porta de um homem mais velho, interpretado por Hugh Grant, para espalhar a palavra de Jesus. Muito educado, ele convida as duas para entrar, dizendo que sua esposa está na cozinha preparando uma torta. Mas as coisas não são o que aparentam.

Dirigido por Scott Beck e Bryan Woods, o novo terror da A24 quer que o espectador reflita sobre a fé. Para quem estudou em colégio católico e enfrentou uma fase ateísta na adolescência (quase todos que estudaram em colégio católico), não há novidade alguma ali. Qualquer pessoa minimamente interessada em religião já refletiu as ideias que o filme aborda.

O verdadeiro terror, para mim, é ter de fingir calma diante de um homem que diz que tem boas intenções (ele só quer conversar!) quando todos os sinais apontam para uma situação de risco. As religiões debatidas em “Herege” são patriarcais, mas são as mulheres que, a cada segundo, precisam extrair sentido de algum arbusto em chamas. Porque a ameaça da violência é tão onipresente quanto Deus.

De certa forma, “Herege” representa o que as mulheres enfrentam diariamente nas redes sociais, com homens desconhecidos que surgem do nada e exigem atenção – ora inofensivos, ora assustadores. Afinal, os pedidos de debate são quase sempre capciosos. Não há interesse em chegar em um consenso, mas só em exercer dominância.

Grant vem sendo muito elogiado pelo papel, mas não acho que ele tenha feito algo de muito diferente do que já vinha fazendo nos últimos anos. Pode ser um choque para quem ainda o vê como o mocinho de “Notting Hill”, mas não para quem viu “Dungeons and Dragons: Honra entre Rebeldes” ou mesmo “Paddington 2” (seu melhor trabalho).

“Herege”, por sua vez, também não me traz nada de novo, seja na parte religiosa ou no que tem a dizer sobre gênero (resumidamente, que mulheres são massacradas para dar vazão aos delírios de grandeza dos homens, ou seja, uma terça-feira qualquer). Em 2024, tivemos obras mais reveladoras com relação aos perigos da vivência feminina, como o próprio “A Garota da Vez”, com a direção de Anna Kendrick.

Associei “Herege” ao Bluesky porque imagino que muitos que reclamam da “câmara de eco” adorariam obrigar os demais a ouvirem as suas teses e opiniões, assim como o personagem do filme. Talvez, seja por isto mesmo que as mulheres no comando da nova rede social tenham decidido priorizar a moderação. Essa missa elas já conhecem de cor e salteado.

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