Quando a sequência de “Homem-Aranha no Aranhaverso” foi anunciada, não imaginei que fosse possível criar algo ainda mais impressionante do que a animação de 2018. Na época, a Sony chegou a solicitar a patente da tecnologia utilizada, uma mistura de CGI e desenho à mão em que cada segundo do produto final levou uma semana de trabalho.
Uma equipe de mais de mil pessoas, no entanto, conseguiu a proeza. Dirigido por Joaquim dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers, “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” é o avanço que toda sequência promete ser – um espetáculo maior, mais complexo e ainda mais deslumbrante.
Com um orçamento de US$ 90 milhões, a bilheteria já se aproxima da casa dos US$ 400 milhões, abocanhando o segundo maior lançamento do ano. “Através do Aranhaverso” conquistou tanto o público como a crítica e já há especulações de suas chances no Oscar – alguns argumentam que a animação deve concorrer na categoria principal de melhor filme.
Desta vez, a história começa com Gwen Stacy em seu próprio universo. Durante uma luta com um vilão renascentista, ela acaba alistada para uma espécie de força-tarefa dos vários homens, mulheres e seres aranha de centenas de dimensões diferentes, todos buscando manter o “cânone” em harmonia – isto é, cada um no seu quadrado.
Para cada personagem, há um estilo visual diferente, mas “Através do Aranhaverso” vai além da mistura de técnicas (que envolvem animação tradicional, stop motion e até live-action) para, de fato, utilizar a arte como uma ferramenta narrativa. Há uma cena, por exemplo, em que Gwen conversa com o pai e, por tratar de um momento íntimo, o fundo vai se tornando cada vez mais abstrato, porque nada mais importa naquele instante.
Vale lembrar que “Através do Aranhaverso” tem duas horas e vinte minutos de duração e que acaba num empasse que só será resolvido no próximo filme, o que pode decepcionar alguns espectadores – mas é tudo tão bonito de se ver e os temas são tão fortes que eu poderia ficar mais duas horas ali, embasbacada.
Há uma solidão que acompanha tanto Gwen como Miles porque ninguém, além dos dois, entende como é ser quem eles são. Já aos 15 anos de idade, Miles se prepara para ingressar num curso avançado de uma universidade respeitada e sua mãe teme pelas dificuldades que o filho pode encontrar por conta das pessoas que não aceitarão a presença dele.
Estamos falando, é claro, de racismo, mas há também todo um subtexto LGBTQ+ em “Através do Aranhaverso”. Tanto Miles como Gwen são adolescentes levando vidas duplas e que não podem revelar quem são aos pais por medo de não serem aceitos – Gwen, inclusive, tem uma bandeira trans em seu quarto e todo o seu universo é banhado nas cores da bandeira.
Há quem acredite que, fazer parte de uma minoria, é se acostumar com a dor e com o sacrifício que a identidade demanda, como se a perda e o sofrimento fossem condições inerentes de nós mesmos. Com Miles, “Através do Aranhaverso” propõe que nós não temos de aceitar essas imposições arbitrárias e que podemos mudar o status quo.
Embora apareça pouco, a figura mais emblemática da animação é o Homem-Aranha punk, com a voz do ator britânico Daniel Kaluuya. É a sua rebeldia, tão consistente com o espírito questionador da adolescência, que coloca toda a trama do terceiro ato em ação. Costumamos sentir vergonha de quem nós éramos na adolescência, mas será que uma parte nossa não estava correta?