No comecinho de 2020, antes da pandemia, Tom Hanks foi homenageado com o prêmio Cecil B. Demille na cerimônia do Globo de Ouro. Nos bastidores da premiação, Hanks disse que estava cansado da imprensa perguntando por que ele nunca interpretava vilões. “Meu plano é o seguinte, eu vou para a Austrália trabalhar com Baz Luhrman, vou viver o Coronel Tom Parker [empresário de Elvis Presley] e vou acabar com essas perguntas,” Hanks brincou. Enquanto a cinebiografia de Elvis não é lançada, temos o ambíguo “Relatos do Mundo”.
Dirigido por Paul Greengrass (“Capitão Phillips”), Hanks interpreta o Capitão Jefferson Kyle Kidd, um veterano da Guerra Civil que ganha a vida lendo jornais por cidadezinhas do sul dos Estados Unidos. Relatar o que acontece mundo afora é uma forma de fugir da própria história, dos horrores que ele mesmo infligiu ao lado dos Confederados. Um dia, ele se depara com um negro enforcado em uma árvore – perto do corpo, ele vê uma menina loira com trajes indígenas e que, aparentemente, não fala uma única palavra de inglês.
De acordo com os documentos que o capitão encontra, Johanna (Helena Zengel, indicada ao Globo de Ouro) é filha de imigrantes alemães que foram assassinados pela tribo Kiowa. Assim como a personagem interpretada por Natalie Wood no clássico “Rastros de Ódio”, ela foi criada pelos nativos e se identifica com a cultura indígena – para ela, seu nome não é Johanna, mas Cigarra. “Resgatada” da tribo que ela havia adotado como família, ela deve ser levada até os seus tios biológicos, que nem fazem ideia que a menina está viva.
Durante o longo caminho até a casa dos tios, Kidd e Johanna enfrentam perigos diversos, aprendem a se comunicar e, é claro, acabam se aproximando. Ambos buscam esquecer passados trágicos e, para Kidd, o segredo é seguir sempre adiante, como uma linha reta. Assim, não há flashbacks em “Relatos do Mundo”, seus personagens não estão interessados em relembrar o que passou. Cabe a Kidd, no entanto, entender as consequências de suas palavras e de seus atos.
Com a fotografia do polonês Dariusz Wolski, Greengrass deixa a sua câmera tremida de lado e opta por uma abordagem mais contida, condizente com o gênero. Apesar da boa performance, é difícil imaginar Tom Hanks cometendo atrocidades durante uma guerra, de forma que toda a culpa que o seu personagem carrega não tem o mesmo peso que teria com um ator menos carismático no papel. Por enquanto, a persona de Hanks é mais compatível com a do Sr. Rogers em “Um Lindo Dia na Vizinhança”.