Já disponível na Netflix, “Tick, Tick… Boom!” é um prato cheio para fãs da Broadway. A estreia de Lin-Manuel Miranda na direção trata do processo criativo de Jonathan Larson, criador do sucesso “Rent”. O musical adaptado pelo prodígio de “Hamilton”, no entanto, não se passa durante a criação de “Rent”, mas de “Superbia”, uma ficção científica contada por meio do rock.
Vivido por Andrew Garfield, Larson está prestes a completar 30 anos e já sente o tempo se esgotando – afinal, seu ídolo, Stephen Sondheim, compôs a sua grande obra-prima, “West Side Story”, quanto tinha apenas 27. Para arrematar “Superbia” e apresentá-la em um workshop para as figuras mais importantes do meio, ele só precisa escrever uma última música.
Morando em um muquifo de Nova York e trabalhando como garçom em um típico diner americano, as dívidas e os problemas se acumulam. Sua namorada, a dançarina Susan (Alexandra Shipp), recebe uma proposta de trabalho fora da cidade; seus amigos gays enfrentam a dura epidemia de AIDS do começo dos anos de 1990.
Sem saber se conseguirá terminar “Superbia” e muito menos se o musical será bem recebido, Larson fica dividido entre a sua vocação e a possibilidade de uma vida mais confortável – seu melhor amigo, Michael (Robin de Jesús), abandonou a carreira de ator, se tornou publicitário e conseguiu se mudar para um prédio luxuoso em um bairro afluente.
“Tick, Tick… Boom!” trata de um momento crucial na vida de qualquer pessoa com pretensões artísticas: o embate entre a perseverança e a conformidade. Larson pode trabalhar com o aquilo que ele ama e continuar pobre pelo resto da vida ou vender a própria alma e juntar uma pequena fortuna. A todo momento, ele é lembrado dos prós e contras dos dois lados.
Com roteiro adaptado por Steven Levenson, criador de “Dear Evan Hansen”, “Tick, Tick… Boom!” conta com inúmeras participações especiais de figuras conhecidas da Broadway e marca o reencontro de Miranda com a diretora de fotografia Alice Brooks e o editor Myron Kerstein, ambos de “Em um Bairro de Nova York”.
Como as músicas são constantes e o ritmo é frenético, “Tick, Tick… Boom!” pode ser irritante para quem não é um fã fervoroso de musicais. A irritação, porém, também faz parte do efeito que o protagonista causa quando as pessoas ao seu redor (em especial, Susan) percebem que ele utiliza cada vivência como fonte de inspiração. Ou seja, o espectador não está sozinho.
Garfield está eletrizante como Larson, mas é Robin de Jesús quem tem o papel mais interessante, interpretando um homem gay complexo e repleto de nuances. O relacionamento entre os amigos é mais bem elaborado do que a relação de Larson com Susan, que parece existir apenas para reforçar a egolatria do compositor e criar tensão.
Há algumas ideias mal exploradas, como a conclusão quase decepcionante de que é melhor “falar daquilo que conhecemos” – isto é, Larson terá mais sucesso artístico abordando a própria realidade, em vez de perder tempo concebendo um futuro distópico. Para um gênero tão fantasioso como o musical, o conselho parece uma platitude deslocada.
Apesar dos pesares, as músicas e as atuações são interessantes o suficiente para sustentar “Tick, Tick… Boom!”.