Com apenas dois longas em sua filmografia, Ari Aster já desenvolveu um estilo próprio. Ainda que “Hereditário” e “O Mal Não Espera a Noite – Midsommar” se passem em contextos diferentes, é possível reconhecer a semelhança dos temas, a familiaridade da fotografia e da trilha sonora. Seja no meio-oeste americano ou em uma vila da Suécia, ambos os filmes lidam com o luto e retratam famílias corrompidas – e sempre com a mesma preciosidade de um diorama artesanal. Aos 33 anos, o diretor americano é uma espécie de Wes Anderson do terror, uma das vozes mais distintas a surgir nos últimos anos.
No início de “Midsommar”, um coral fantasmagórico acompanha imagens de uma floresta escura durante uma ventania forte. De forma brusca, as vozes são interrompidas pelo barulho de um telefone. Não estamos mais no meio do mato, mas em uma cidade insone. A vastidão assustadora da natureza é, então, substituída pela claustrofobia da civilização. O verdadeiro terror, afinal, não reside em um mal primitivo e abstrato, distante de onde escolhemos formar os nossos grupos, mas no toque de um telefonema recebido à noite. E a luz do dia não irá aplacar o sofrimento.
Após uma tragédia na família, Dani (interpretada pela magnífica Florence Pugh) viaja com o namorado Christian (Jack Reynor) e os seus amigos para uma comunidade alternativa da Suécia, com o pretexto de conhecer o lar do sueco Pelle (Vilhem Blomgren) e de participar das comemorações de solstício de verão. De origem pagã, as festas juninas do país comemoram a chegada dos dias mais longos do ano, em que o sol se põe por volta da meia-noite e nasce às três e meia da manhã, devido à alta latitude da região. O intercâmbio cultural, no entanto, não ajudará Dani ou o seu relacionamento.
Apesar da violência chocante de algumas cenas, “Midsommar” incomoda muito mais pela atmosfera opressiva, pela contraposição entre os demônios internos de Dani e o clima ensolarado de festa. A comunidade alternativa lembra uma cena paradisíaca da novela “A Viagem” – um campo verdejante, onde todos vestem roupas brancas e distribuem abraços calorosos aos recém-chegados. Mesmo longe de casa, no entanto, o trauma da protagonista persiste, fazendo com que ela se sinta cada vez mais afastada do namorado.
Em entrevistas, Aster afirmou que escrevera o roteiro do filme durante o término de um relacionamento. De certa forma, “Midsommar” pode ser encarado como uma vingança pessoal, mas trata também do desejo de pertencer a alguém e de fazer parte de um grupo, até mesmo de um culto. O desfecho é um ritual de histeria coletiva, que remete ao clássico “O Homem de Palha” (1973), mas subverte o arquétipo da “final girl”, isto é, a típica sobrevivente virginal dos filmes de terror, destinada a sofrer nas mãos de um monstro. Coberta de flores, Dani sorri porque sabe que não está mais sozinha.