Sei que estamos todos fartos de falar sobre o Oscar, mas temos de comemorar: Michelle Yeoh se tornou a primeira mulher asiática a vencer o prêmio de melhor atriz. Em quase cem anos, só duas mulheres não-brancas venceram a estatueta, Halle Berry e Yeoh. A primeira mulher asiática a ser indicada, no entanto, foi Merle Oberon em 1936, embora ninguém soubesse.
Oberon nasceu na Índia, mas tinha a pele clara. Seu pai, um capataz irlandês de uma plantação de chá, estuprou sua mãe, que tinha ancestrais maori e do Sri Lanka, quando ela tinha apenas 14 anos. Por ser parda, Oberon sofreu com o preconceito tanto dos indianos como dos ingleses e chegou a usar cremes clareadores com mercúrio.
Na Europa, onde começou a atuar, dizia que tinha nascido na Tasmânia (considerada como parte da Inglaterra) e que sua certidão de nascimento havia sido perdida num incêndio. Sua mãe de criação, que era a sua avó biológica, tinha a pele muito mais escura e era apresentada aos outros como empregada de Oberon.
Por mais reprováveis que as suas atitudes possam nos parecer hoje em dia, Oberon jamais teria sido indicada ao Oscar na década de 1930 se não tivesse mentido sobre a sua origem. Na época, prevalecia o Código Hays, um conjunto de normas que as produções Hollywoodianas tinham de obedecer – e uma delas proibia filmes com relacionamentos interraciais.
Anna May Wong, atriz chinesa que chegou a contracenar com Marlene Dietrich em “O Expresso de Xangai”, não conseguia papéis como protagonista porque, frequentemente, atores brancos eram escalados para interpretar personagens negros e asiáticos, por meio de “blackface” e “yellowface” – um dos exemplos mais infames é o de Mickey Rooney em “Bonequinha de Luxo”.
Em uma entrevista de 1928, anos antes do Código Hays ser implementado, Wong já dizia que “um dia, alguém vai escrever uma história sobre uma garota chinesa de verdade – e, talvez, eu terei a minha chance”. Mesmo atrizes evidentemente brancas tinham de esconder suas raízes, como Rita Hayworth, cujo nome real era Margarita Carmen Cansino.
Concebido por religiosos, o Código Hays é muito criticado pelo seu puritanismo, já que proibia a “nudez sugestiva” e “persuasões sexuais”, mas é importante tratar do seu papel como uma ferramenta da supremacia branca. Nos Estados Unidos, o casamento entre pessoas de raças diferentes só foi legalizado em 1967, um ano antes do Código Hays ser abolido oficialmente.
De acordo com o professor James Q. Whitman, as leis racistas dos Estados Unidos serviram de modelo para a Alemanha nazista e, considerando que Hollywood sempre foi um enorme comercial do “modo americano de vida”, não é exagero dizer que todo o mundo foi contaminado por ideais racistas nem sempre muito subliminares.
Há quem diga que o Oscar não tem mais relevância, mas é crucial celebrar a vitória de Michelle Yeoh e Ke Huy Quan, além de continuar cobrando representatividade. Por boa medida, suspeite também de quem se diz constrangido com cenas de sexo e lamenta o fim do Código Hays – são como os perfis de estátuas de mármore reclamando de arquitetura moderna, ambos atuam como alistadores do fascismo.