Lembro que, quando um dos vários “Godzillas” americanos saiu uns anos atrás, algumas pessoas tiraram sarro dos críticos por reclamarem da trama rasa. Ali, nasceu o bom e velho “ah, mas vocês também vão ver ‘Godzilla’ esperando um Bergman” – e, de repente, não se podia mais criticar filmes de apelo comercial porque a ruindade era inerente ao gênero.
Quem é mais condescendente? O crítico que espera que “Godzilla” seja bom (sem comparar com o cineasta sueco, mas com outros filmes de monstros gigantescos) ou o espectador que, ao saber da premissa, só espera o lixo? Por que um filme com uma criatura nascida dos horrores do pós-guerra, fruto das bombas que arruinaram Hiroshima e Nagasaki, não deveria ser interessante?
Já nos cinemas, “Godzilla Minus One” pode agradar tanto quem espera alguma substância de um filme de monstro como aqueles que só querem ver a destruição. Dirigido por Takashi Yamazaki, a produção japonesa acumula elogios das duas facções, com 97% de avaliações positivas da crítica e 98% do público no Rotten Tomatoes.
Nos Estados Unidos, um país infame pela aversão às legendas, “Minus One” vem quebrando recordes e se tornou o filme japonês de maior sucesso na história, além da melhor estreia de uma produção internacional em 2023. De vez em quando, é preciso um kaiju para derrubar a muralha que separa os cinéfilos dos espectadores mais casuais.
A trama acompanha Koichi Shikishima, um piloto kamikaze – interpretado por Ryunosuke Kamikiki, que dá voz a animações como “Viagem de Chihiro” – que retorna para um país arrasado pela guerra sem cumprir o seu dever. Atormentado pela culpa, Shikishima terá uma nova chance de provar a sua coragem quando Godzilla surge para aniquilar o que restou do Japão.
Como é possível notar já pela sinopse, há um alicerce dramático que torna cada “visita” da criatura uma tragédia. É dando a dimensão do sofrimento do povo japonês que o diretor consegue criar uma tensão ainda maior em torno do monstro. E que tensão! Há uma cena em alto mar, em que Godzilla persegue uma pequena embarcação, que é um dos destaques do ano.
A conclusão de “Minus One” não é perfeita, tudo se resolve de uma maneira quase surreal, mas impressiona a qualidade de um filme tão bem fundamentado em seus personagens, com cenas de ação tão eficazes, e feito com uma fração do orçamento das megaproduções americanas – estas, sim, cada vez menos promissoras.