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Por meio do apresentador Fred Rogers, Marielle Heller investiga a masculinidade tóxica.
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Fred Rogers estudou música, foi ordenado pela Igreja Presbiteriana e se tornou um dos ícones mais queridos da televisão infantil dos Estados Unidos. Apresentando o programa “Mister Rogers’ Neighborhood” entre os anos de 1968 e 2001, foi pioneiro ao introduzir temas como diversidade e aceitação para um público pré-escolar. Com uma abordagem sensível e delicada, também discutiu assuntos difíceis como o divórcio e a morte – tudo para que as crianças pudessem desenvolver as ferramentas necessárias para lidar com a vida adulta e os próprios sentimentos.

Inspirado na amizade do jornalista Tom Junod com o apresentador, “Um Lindo Dia na Vizinhança” não é um filme sobre a vida de Rogers, mas sobre os seus ensinamentos. Neste sentido, é uma cinebiografia perfeita, pois retrata a essência do seu objeto e não simplesmente a sua trajetória pessoal. Falar de Rogers pelo viés do outro faz sentido, pois ele era conhecido por dedicar toda a sua atenção ao próximo: “Muito tempo atrás, um homem de uma gentileza engenhosa e implacável viu algo em mim[…]Ele confiou em mim quando eu não achava que era digno de confiança, e se interessou por mim muito mais do que eu me interessei por ele,” escreveu Junod após o lançamento do filme.

Dirigido por Marielle Heller, a mesma do excelente “Poderia Me Perdoar?”, Matthew Rhys interpreta Lloyd Vogel, um jornalista cínico, com uma família disfuncional e um filho recém-nascido, que é incumbido de entrevistar Rogers (Tom Hanks) para um perfil na revista Esquire. Indicado ao Oscar de ator coadjuvante, Hanks incorpora a fala pausada e o olhar carinhoso do apresentador. Diferente de uma entrevista comum, Rogers quer saber sobre a família do jornalista, suas memórias de infância e os seus sentimentos – coisas que Vogel vem evitando verbalizar ou pensar a respeito.

“Fred Rogers é o único homem que poderia me convencer a fazer um filme sobre homens,” disse a diretora em entrevista. “É importante fazer filmes sobre homens bons e homens que estão tentando ser melhores, sobre as dificuldades da masculinidade.” Muitos dos filmes indicados ao Oscar de 2020 lidam com a angústia masculina: “O Irlandês” trata de toda uma geração isolada pela violência e pela falta de comunicação; “Ford vs. Ferrari” retrata a competitividade em um esporte essencialmente masculino; “1917” se passa durante a Primeira Guerra Mundial; “Era Uma Vez em… Hollywood” transpira nostalgia por uma era dominada por machões e “Coringa”, bom, “Coringa” é aquilo lá.

Entre tantos diretores renomados, Heller é a única a propor formas produtivas de lidar com a crise da masculinidade e, mesmo assim, “Um Lindo Dia na Vizinhança” foi indicado somente na categoria de ator coadjuvante. Em um ano tão repleto de histórias que retratam o homem como uma vítima da sociedade, uma investigação feminina da masculinidade tóxica pode ter desagradado a Academia – composta, majoritariamente, por homens. Para Junod, no entanto, o filme de Heller é o ponto culminante dos presentes que Fred Rogers proporcionou ao seu público.

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