Os filmes de super-heróis nos renderam, pelo menos, duas falas marcadas a ferro quente no imaginário coletivo. “Com um grande poder vem uma grande responsabilidade” e “Ou você morre como um herói, ou vive o suficiente para se tornar um vilão”. A primeira é do “Homem-Aranha” de Sam Raimi, a outra saiu de “O Cavaleiro das Trevas” – ambas, no entanto, são interligadas.
No fim da década de 1950, os musicais americanos já não arrebanhavam grandes públicos. Um demográfico cada vez maior de jovens universitários passou a consumir filmes europeus de movimentos mais autorais, como a Nouvelle Vague francesa. Influenciado pela vanguarda europeia, o cineasta Francis Ford Coppola se tornou sinônimo da chamada Nova Hollywood.
Há outros expoentes desse período em que Hollywood se desfez das ilusões em Technicolor e voltou o seu olhar para questões adultas, como Robert Altman, John Cassavetes, Brian De Palma, Roman Polanski e Martin Scorsese – mas é impossível falar em Nova Hollywood sem visualizar as bochechas estufadas de Marlon Brando e cantarolar a clássica trilha sonora do italiano Nino Rota.
Com “O Poderoso Chefão”, Coppola talhou o seu nome na história do cinema. Não satisfeito, fez também “Apocalypse Now”, uma produção caótica que, apesar de seus inúmeros problemas (alguns causados pelo próprio diretor), resultou numa obra-prima antiguerra. Aos 85 anos, no entanto, Coppola vem dando sinais de que envelheceu mal.
“Megalopolis”, seu próximo lançamento, está envolto em uma nuvem de escândalos, de denúncias de assédio sexual em pleno set, passando por mais um exemplo de mau uso de IA, até a declaração de que o cineasta quis trabalhar com atores “cancelados” (como Shia LaBeouf, que agrediu a ex-namorada) para que a produção não fosse considerada “woke” – ou seja, progressista. Se eras tão “nova” Hollywood…
(Um breve parênteses, a questão das críticas geradas em IA não é de responsabilidade direta do Coppola, mas parte de um clima de antagonismo delirante que, claramente, se alinharia com um briefing transmitido pelo diretor.)
De outra geração, Quentin Tarantino vive repetindo que irá se aposentar depois de fazer o seu décimo filme. Diz que não quer se tornar um cineasta velho e decadente, isto é, não quer produzir o suficiente para se tornar um “vilão” (olá, Tim Burton). É possível argumentar que Tarantino já vem decaindo há, pelo menos, uma década, mas esse bolor todo não tem a ver com a chegada da idade.
Em entrevista, o octagenário Martin Scorsese disse que se manter curioso é a chave da sua criatividade e mencionou o discurso de Akira Kurosawa ao vencer um Oscar em 1990, quando o mestre japonês tinha 82 anos: “Só agora estou começando a enxergar a possibilidade do que o cinema pode ser, e é tarde demais.”
Para Scorsese, o limite da expressão criativa está em nós mesmos. Cabe ao artista explorar cada vez mais, investigar dentro de si mesmo e permitir com que essa expressão flua. Foi assim que o diretor percebeu que “Assassinos da Lua das Flores” deveria ter as mulheres indígenas como ponto focal – uma constatação que fez com que ele descartasse o trabalho que já havia feito e recomeçasse do zero.
Cineastas como Coppola e Tarantino, antes vistos como jovens iconoclastas, são agora muito preguiçosos para contemplar a possibilidade de que não é mais adequado (nem nunca foi) adotar expressões racistas ou tratar atrizes como se fossem prostitutas. E é esta resistência em assumir responsabilidade e olhar para frente que tira a urgência e o viço de suas obras – não os cabelos brancos.