Na minha crítica de “Glass Onion”, comentei que falar mal dos ricos está na moda desde que “Parasita” ganhou o Oscar. Com chantagens constantes do chamado “mercado” ao governo Lula e manchetes nos jornais como “crise das Americanas ameaça reputação de bilionários brasileiros”, nunca foi tão importante macetar a elite.
Como sátira, “O Menu” é bem menos indigesto do que “Triângulo da Tristeza”, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e que, de forma bastante literal, mergulha os ricos nas próprias fezes. Como terror, o filme estrelado por Anya Taylor-Joy parece mais bem construído do que “Casamento Sangrento”.
Margot (Taylor-Joy) é a acompanhante de Tyler (Nicholas Hoult) em um jantar mais do que exclusivo numa ilha particular. O renomado chef Julian, vivido por Ralph Fiennes, lidera uma equipe de cozinheiros bastante espartana, do tipo que prepara pratos perfeccionistas com pequenas pinças e responde “sim, chef” em uníssono, como se fossem soldados.
Dirigido por Mark Mylod, “O Menu” pega carona na tradição dos programas culinários encabeçados por megalomaníacos grosseiros que vivem de humilhar os funcionários e exigir um grau doentio de reverência. Se você viu “Pesadelo na Cozinha” ou “O Mundo de Jacquin”, já deve ter uma ideia.
Parece que o amor pela cozinha começa como um hobby prazeroso e, assim que se transforma num negócio lucrativo, passa a exigir sangue, suor e lágrimas – que é o destino de todas as paixões submetidas à lógica do capital. Trabalhe com aquilo que você gosta até perder todo o prazer que você sentia quando não precisava acumular lucros.
O momento mais icônico de “Ratatouille” envolve o calejado crítico gastronômico recuperando a lembrança de um prato afetivo, que foi o que despertou o seu amor pela gastronomia. Em “O Menu”, há um processo parecido com a cena da animação da Pixar – só que, por se tratar de um filme de terror, não há mais volta para o chef Julian e não demora muito para os comensais perceberem que há algo de sinistro no restaurante VIP.
Por ser ambientado quase todo num único lugar, “O Menu” é carregado por seus atores, com destaque para Taylor-Joy, Fiennes e Hoult. Tyler é o típico puxa-saco de bilionário, um jovem misógino com um tesão homoerótico pela genialidade machona de algum “bro” – em vez do chef Julian, poderia ser Elon Musk ou até Andrew Tate.
No restaurante, há um conflito bastante óbvio entre quem serve e quem é servido. Margot está num limbo entre os dois e precisa decidir que lado ela tomará em uma luta de classes mortal, mas a principal qualidade de “O Menu” não é exatamente o conteúdo de sua crítica social e sim o quanto ela é divertida.